2012/11/13

ahhhh... como se fosse muito estúpido e real

"Não lutes contra mim, vais enlouquecer só por me pensar!" lia-se ainda no que restava de uma pintura de vândalo que estava a ser limpa por um par de janados com coletes refletores. A minha visão ainda não estava completamente refeita, as linhas do comboio ainda não estavam paralelas mas já me conseguia orientar dentro dos modos em que estava habituado a andar naquele tempo. "Não lutes contra mim...", voltava a ver a imagem sem a olhar enquanto pensava no que podia haver de estranho naquilo, procurava saber o que não gostaria de fazer com aquela ideia. Já estava meio louco de qualquer das maneiras mas não sabia quem a tinha escrito, já não se conseguia ver no resto da pintura se havia mais alguma palavra que explicasse aquela ideia. Porque havia de lutar, lutar contra quem mesmo? Acendi um cigarro, para fazer o tempo passar.
O relógio rodou mais cinco minutos e a minha cabeça começou novamente a latejar quando corria outra vez, na minha frente, a mesma frase pintada como um painel rolante. Isto não é um sonho, isto não é real... Tentei distrair a atenção daquele pensamento com outro cigarro mas alguns tragos depois lembrei-me e outra frase surgiu por instantes "não podes fumar, caralho, eu ainda aqui estou". "Eu" outra vez? "Eu" quem? Mas este foi um "eu" passageiro, prevaleceu a imagem agora meio pintada de branco, meio desaparecida "enlouquecer só por me pensar!", ainda se via mas não o comboio, mais 10 minutos de atraso... Ainda via a frase a correr, para onde quer que eu olhasse, fizesse o que fizesse. Tentei acalmar-me, fechei os olhos por um momento para reduzir o estímulo visual.
A frase prevaleceu. Agora via-a como se estivesse completa, como se a própria pintura fosse um muro sem que nada a sustentasse. Ao fundo, gente aproximava-se de mim. Eu vi um louco guiar um exército de suicidas, dispostos a morrer em geral, por ele em particular também, porque qualquer maneira era boa e as intenções da loucura daquele homem lhes pareciam suficientes para as terem como suas. Morreriam por sua loucura porque era a sua intenção, era aquele louco que os escolhia como seus garantindo-lhes que eram as suas próprias escolhas que os moviam. Fantoches suicidas, feitos de palhas e tecido mais ou menos costurado e olhos de botão, trepavam por mim. "Puta que pariu a bicicleta" gritei, momentos antes de compreender o barulho do comboio a chegar. Abri os olhos e a ideia de ficar louco tinha desaparecido...