O mundo não é regido, sempre vivemos em anarquia. Guiamo-nos
por conflitos ideológicos, opiniões e pontos de vista; governo é pensamento,
são as nossas ideias. Ninguém cumpriria uma lei se não acreditasse nela, no
valor dela; é por isso que nos deixamos desviar a atenção do que é legal ou não
quando não cumprimos a lei, nesse momento não é essa a ideia que consideramos
que se aplica. O verdadeiro crime é negarmos a nós mesmos os nossos próprios
valores, a nossa própria lei. Mas não seria isto só mais uma ideia? Não existe
anarquia, o mundo não é regido. Guiamo-nos pelo que nos é conveniente, se não
no concreto e imediato, pelos nossos valores. Governo são os nossos valores,
aquilo que acreditamos ser real ou porque o podemos observar ou porque o
podemos compreender. É por isso que não duvidamos naquilo que nos parece ver
quando não podemos ver mais globalmente que não passa de uma ilusão;
acreditamos em miragens pontuais e governamo-nos por elas. O que importa é
acreditar, surja o que surgir, como e quando surgir, procuramos acreditar, na
esperança de termos uma ideia em que confiar, uma crença que nos governe. O
mundo não é regido senão pela nossa própria lei mas não somos lei, a nossa
vontade não é crença, não tem valor real. São as ideias que nos governam,
aquilo em que acreditamos, aquilo que consideramos lei e por isso somos
criminosos; os valores por que lutamos não são nossos se não os pensarmos,
senão os compreendermos, compreendem? Não há governo que não esteja já infiltrado
nas nossas próprias cabeças, somos os nossos mais ágeis juízes e os nossos mais
perversos delatores. É em nós que nos julgamos, condenamos e cumprimos a
sentença. Não há governo em nós que nos liberte, então confiamos no que é
externo, falso, legal, aparente e, portanto, aparentemente confiável. São estes
os valores em que fingimos acreditar, o mundo é governado, não existe anarquia.
Estes valores parecem existir, acreditamos neles, podemos ver as suas miragens
de farda e gravata, então existe realmente um governo exterior, existe uma lei
que nos guia e nos diz como devemos agir para sermos justos, que nos conta
todos os dias mais uma história antes de irmos dormir. Esta é a nossa crença, é
o que se nos aparenta, é o que julgamos ver, é assim que o mundo é regido, é
assim que fingimos que não existe anarquia.