2012/12/16

último rascunho no scribd

Vozes Distantes

2012/12/05

não penses muito nisso!



E se não houvesse uma primeira causa
E todos os motivos fizessem uma pausa,
Os gestos caíssem no mundo sem razão
E o pensamento fosse o resultado dessa visão
Sem causa, sem propósito nem sentido
E o espaço ilusão e o tempo perdido
A rua um abrigo e a mente vadia
Fugisse à noite para longe do dia
Se o Sol arrefecesse o calor da chuva
Em gritos de uma qualquer cor muda
E todo o vazio se tornasse matéria
Como uma consequência sem féria
Movimentos ébrios ganhassem importância
A falta de sentido ganhasse substância
Se um nada absoluto permanecesse calado
E tudo provocasse uma busca de significado?

2012/12/04

já chega, não te parece?



“Já chega, não te parece?”, apareceu estático, duro e pesado no monitor. Em silêncio, um sorriso de desprezo saiu forçado ao tentar evitar a ideia. Tinha de ler, continuar a ver o que poderia dizer, procurar um e outro significado porque a memória não chega e a imaginação se tornou cruel. “Já chega” como quem sugere a possibilidade improvável de mudar a maneira de ser, adquirida com o vento vindo de longe… Maldita borboleta, olhem só o furacão que ela não causou por duas pitadas de pólen! Mas a vida continua como aquele “não te parece?” permanente no ecrã a pedir uma resposta que ninguém sabe dar. A culpa devia ser do escritor, sim, ele que exige mudança quando derrama um ditame permanente sem dar espaço para uma resposta real, isto é, dizer “ressentimento doloroso” pelo efeito negligente e propositado do gesto. E tudo o resto! Começa então um ódio ligeiro porque a gargalhada não pode sair neste momento, apesar da ironia da situação, é só imaginação, é só uma ideia mas faz sentir tanto porque também a imaginação trás memórias e ilusões para construir um significado em quem lê para quem escreve. É hora de desligar isto, sim, parece-me que já chega.

2012/11/13

ahhhh... como se fosse muito estúpido e real

"Não lutes contra mim, vais enlouquecer só por me pensar!" lia-se ainda no que restava de uma pintura de vândalo que estava a ser limpa por um par de janados com coletes refletores. A minha visão ainda não estava completamente refeita, as linhas do comboio ainda não estavam paralelas mas já me conseguia orientar dentro dos modos em que estava habituado a andar naquele tempo. "Não lutes contra mim...", voltava a ver a imagem sem a olhar enquanto pensava no que podia haver de estranho naquilo, procurava saber o que não gostaria de fazer com aquela ideia. Já estava meio louco de qualquer das maneiras mas não sabia quem a tinha escrito, já não se conseguia ver no resto da pintura se havia mais alguma palavra que explicasse aquela ideia. Porque havia de lutar, lutar contra quem mesmo? Acendi um cigarro, para fazer o tempo passar.
O relógio rodou mais cinco minutos e a minha cabeça começou novamente a latejar quando corria outra vez, na minha frente, a mesma frase pintada como um painel rolante. Isto não é um sonho, isto não é real... Tentei distrair a atenção daquele pensamento com outro cigarro mas alguns tragos depois lembrei-me e outra frase surgiu por instantes "não podes fumar, caralho, eu ainda aqui estou". "Eu" outra vez? "Eu" quem? Mas este foi um "eu" passageiro, prevaleceu a imagem agora meio pintada de branco, meio desaparecida "enlouquecer só por me pensar!", ainda se via mas não o comboio, mais 10 minutos de atraso... Ainda via a frase a correr, para onde quer que eu olhasse, fizesse o que fizesse. Tentei acalmar-me, fechei os olhos por um momento para reduzir o estímulo visual.
A frase prevaleceu. Agora via-a como se estivesse completa, como se a própria pintura fosse um muro sem que nada a sustentasse. Ao fundo, gente aproximava-se de mim. Eu vi um louco guiar um exército de suicidas, dispostos a morrer em geral, por ele em particular também, porque qualquer maneira era boa e as intenções da loucura daquele homem lhes pareciam suficientes para as terem como suas. Morreriam por sua loucura porque era a sua intenção, era aquele louco que os escolhia como seus garantindo-lhes que eram as suas próprias escolhas que os moviam. Fantoches suicidas, feitos de palhas e tecido mais ou menos costurado e olhos de botão, trepavam por mim. "Puta que pariu a bicicleta" gritei, momentos antes de compreender o barulho do comboio a chegar. Abri os olhos e a ideia de ficar louco tinha desaparecido...

2012/10/02

outras ideias

O mundo não é regido, sempre vivemos em anarquia. Guiamo-nos por conflitos ideológicos, opiniões e pontos de vista; governo é pensamento, são as nossas ideias. Ninguém cumpriria uma lei se não acreditasse nela, no valor dela; é por isso que nos deixamos desviar a atenção do que é legal ou não quando não cumprimos a lei, nesse momento não é essa a ideia que consideramos que se aplica. O verdadeiro crime é negarmos a nós mesmos os nossos próprios valores, a nossa própria lei. Mas não seria isto só mais uma ideia? Não existe anarquia, o mundo não é regido. Guiamo-nos pelo que nos é conveniente, se não no concreto e imediato, pelos nossos valores. Governo são os nossos valores, aquilo que acreditamos ser real ou porque o podemos observar ou porque o podemos compreender. É por isso que não duvidamos naquilo que nos parece ver quando não podemos ver mais globalmente que não passa de uma ilusão; acreditamos em miragens pontuais e governamo-nos por elas. O que importa é acreditar, surja o que surgir, como e quando surgir, procuramos acreditar, na esperança de termos uma ideia em que confiar, uma crença que nos governe. O mundo não é regido senão pela nossa própria lei mas não somos lei, a nossa vontade não é crença, não tem valor real. São as ideias que nos governam, aquilo em que acreditamos, aquilo que consideramos lei e por isso somos criminosos; os valores por que lutamos não são nossos se não os pensarmos, senão os compreendermos, compreendem? Não há governo que não esteja já infiltrado nas nossas próprias cabeças, somos os nossos mais ágeis juízes e os nossos mais perversos delatores. É em nós que nos julgamos, condenamos e cumprimos a sentença. Não há governo em nós que nos liberte, então confiamos no que é externo, falso, legal, aparente e, portanto, aparentemente confiável. São estes os valores em que fingimos acreditar, o mundo é governado, não existe anarquia. Estes valores parecem existir, acreditamos neles, podemos ver as suas miragens de farda e gravata, então existe realmente um governo exterior, existe uma lei que nos guia e nos diz como devemos agir para sermos justos, que nos conta todos os dias mais uma história antes de irmos dormir. Esta é a nossa crença, é o que se nos aparenta, é o que julgamos ver, é assim que o mundo é regido, é assim que fingimos que não existe anarquia.

2012/09/29

mundo porco (porque não me dei ao trabalho de pensar um nome melhor)

Começa a parecer-e que este mundo é demasiado… demasiado… como dizer? Porco! Este mundo é demasiado porco para mim ou começa a parece-lo ou não me dei ainda ao trabalho de pensar a sério como dizê-lo.
Carne, não nos assumimos como mais do que carne. Não, não é isso, eu sou importante para mim, do meu ponto de vista, cuido-me como mais do que carne, aliás, a minha carne, o meu aspecto pessoal físico, não é o mais importante para mim. A minha realidade interior, a minha alma se preferirem, é mais importante do que o meu corpo, por isso permito-me sacrifica-lo de quando em quando, em negociatas de serviços físicos por pagamentos imateriais, dinheiro, amizade e compromisso – dívidas…
Mas não são as dívidas que valorizamos, são-nos úteis, nada mais. O que devemos aos outros e ao mundo, a nós mesmos, nada disso nos importa. Ou talvez seja essa origem do nosso mundo interior, a dívida, o valor ganho ou perdido em serviços físicos que não soubemos ver como pagamento… Karma? Não me parece… O mundo é demasiado porco, demasiado imundo, pesado e alegre, falsamente alegre, talvez até falsamente porco! O que exigimos dos outros senão que nos quitem as nossas dívidas, a nossa realidade interior?
O que exigimos de nós mesmos? O que exijo a mim mesmo? Perfeição mas permito-me o logro e o fracasso e a dissidência. Ética mas permito-me a originalidade moral, digo, a amoralidade… Não há norma universal que seja aceite, não há valores garantidos, em ninguém os há. Mas não é por isso que o mundo se torna mais sujo, porco, verdadeiramente porco. O que procuramos nos outros se não o pagamento das nossas falhas? Quero dizer, começa a parecer-me que não procuramos nos outros mais do que a possibilidade de pagamento… Sem que haja realmente dívida, sem que haja realmente motivo, deixamo-nos pagar como compromisso, amizade, dinheiro… e não houve serviço! Nem gratidão nem arrependimento, um e outro gesto porco…
Há algo mais, outro motivo maior do que eu mesmo, uma realidade mais englobante, talvez uma força suprema, talvez a força da realidade universal ou qualquer outra mentira mais simples. Não, não me parece que haja outra coisa que não seja um mundo porco, um logro fantasioso onde o enganado é o mesmo que o burlão. Mentimo-nos para nos agradarmos, porque nos devemos, porque devemos a alguém, porque, simplesmente, temos medo de dever… devemo-nos a nossa própria possibilidade de dívida e tentamos fugir disso! E quando devo? E quando devemos realmente, quando o gesto se mostra prejuízo? E quando nos devem a nós? Como cobramos essa diferença? A quem cobramos as nossas falhas? A todos e a ninguém, porque apenas nos importamos connosco e ninguém parece compreender as nossas cobranças. E as dívidas vão-se acumulando…
Seria eu o meu próprio prejuízo? O meu próprio lucro? Seria eu a minha dívida? É um mundo porco, não queremos dever. Então surge a dívida maior, a indiferença bruta, o gesto sem valor, o gesto que não quer pagar nem ser pago, sem resposta nem responsabilidade. Eu vejo apatia, nos gestos porcos dos outros, como seriam os meus se os pudesse observar também? Porque não posso observar a minha dívida? Onde estão os meus gestos? Porque não os sinto, se são eles comigo? Se não o posso compreender…
Continuo a dever-me, a dever-me porque quis pensar a questão. Por vezes, o pensamento mais profundo está de onde vem, o que vemos na realidade, o que vemos sem dar parecer porque o parecer é óbvio mas, mesmo parecendo-nos mal ou bem, deixamos passar como que despercebido, como se não soubéssemos já o valor daquele gesto, daquela posição, disposição ou indiferença. É um mundo porco, e deixamo-nos ser carne para os outros, porque nos parecemos mais, muito mais. E somos, sim, somos mais! E valorizamo-nos por isso, mas somos carne uns para os outros, deixamo-nos ser vistos como carne em movimentos de motivos que cada cabeça, cada sentença, decida. Não nos importamos com os nossos gestos senão no momento da cobrança, da nossa cobrança – eu sou o importante para mim, o resto são dívidas que, sejamos honestos, não me dizem respeito.
E todos me cobram, todos me devem, todos nos tornamos indiferentes mais dia, menos dia, menos dia que seja porque o prejuízo pode não ser pago. Mas como dinheiro, amizade e compromisso, talvez o prejuízo seja o valor do gesto. A dívida impagável de uma nota de cinco euros, de uma amizade de infância de um compromisso inquebrável… Mas a nota troca-se por moedas, espécies ou gestos, deixa-se trair a amizade e quebra-se o compromisso a qualquer momento, seria isso valor? Seria essa a dívida que esperamos que nos paguem? Mundo porco, este mundo começa a parecer-me demasiado porco.

2012/02/27

"faz o que te agrada e abandona tudo o que te fere desnecessariamente" - o livro dos mestres, I (incompleto)

A mentira é o estandarte maior do desespero pela mudança. Não existe fogo algum que nunca se apague, não existe luz nenhuma que permaneça. A escuridão é permanente, constante, não encobre, está em toda a parte, mera ignorância, vazio imperdoável que todos procuram suprir.

Loucos e boémios, poetas e pensadores tropeçam em verdades eloquentes inacessíveis aos demais, projectam mundos invisíveis de plena satisfação, amor, compreensão, ânimo e paz – felicidade. “Mas porque somos infelizes?”, perguntam todos… Erro pueril, o motivo é simples: “ignorância” dizem os sábios… Quanto mais se compreende a sensação mais distante dele se está, infelicidade das infelicidades! Como poderíamos então atingir esse paraíso prometido, se olhá-lo significa perde-lo?
Para o ingénuo, mero pessimismo, miragens de loucura de um poema apaixonado esquecido numa qualquer tasca medíocre. Quem nunca teve não pode sentir a falta e assim permanece o vazio inexplicável. Felicidade pouco mais é do que uma ideia entendida de alguma maneira como um daqueles poucos momentos de cócegas, estupidez, incompreensão, falta de sentido e gargalhadas. Como se poderia experimentar? Estulta ignorância… Não se tente compreender a felicidade, não é trazendo a água ao buraco que se enche o poço, faça-se o poço em bom sítio, a água há-de surgir depois.

Mas o que seria um bom sítio se a procura nos afasta do propósito como se não devêssemos olhar o bom mas antes compreender o que nos perturba a ingenuidade que nos envolve quando somos verdadeiramente plenos? Compreender a dor, talvez a afaste mas sempre sofremos por olhá-la e ignorá-la é senti-la também apenas deixando-a dirigir as nossas vidas sem que disso tenhamos noção. Deixar de pensar dor e sofrimento não leva o pensador a nenhuma espécie de alegria, apenas uma dormência constante de dor e prazer que, não incapacitando, corrói e confunde ao ponto de tentarmos vezes e vezes sem conta procurar uma paz que não existe.

O espírito perturbado não é feliz, a mente perturbada não é feliz, o corpo perturbado não é feliz mas aquele que compreende a perturbação, aquele que tira o espinho cravado, sente o prazer de se afastar da dor. A felicidade é a ausência de perturbação, de impedimento, de dor, de inacção, de tristeza. A redundância aparente desta ideia não existe, é apenas uma ilusão de hábitos ingénuos. A criança é feliz, só quando alguma coisa perturba essa felicidade, chora. A procura não deve ser directa ao objectivo, mas antes, direccionada aos impedimentos da intenção. Esqueça-se a felicidade, sejamos ingénuos aí, nunca por força fomos felizes! Mas se por força, procurarmos compreender o que nos perturba, se afastarmos de nós a possibilidade de perturbação, a paz surge e se a isto juntarmos uma ingenuidade saudável…

Não interessa a perda, a dor ou a tristeza – mas compreender o motivo porque surgem, os sentimentos alertam-nos, dão-nos a informação que precisamos para corrigir o que está mal, o intelecto dá-nos a capacidade de saber se isso é possível, a inteligência garante que isso acontece. Adaptamo-nos e mal podemos sentir isso acontecer, mas quando nos conformamos à dor sem entendimento não nos afastamos dela, deixamo-la ali, estacionada em pesar de memórias que nos infectam e atrofiam. Compreenda-se o erro e deixe-se a mente fluir, deixe-se o corpo agir, tudo o resto surgirá mais claro então.

2012/02/19

outras piadas lisérgicas

Compreende,
É no momento em que a miragem ilusória se torna realidade que te libertas.

Então,
Todos os teus medos se tornam reais, todos os teus desejos se tornam reais, toda a tua expectativa surge para te concretizar.

Aprende,
O medo é medo de dor, os desejos são desejos de prazer, toda a expectativa é expectativa de mudança.

Permite-te mudar.

2012/01/12

proposta de compreensão ("algodão doce") - parte I

Este texto não está completo, a continuação fica para mais tarde*...

Lembro-me de algodão doce caído no chão e de um sentimento estranho. Naquele dia, por coisa nenhuma, aprendi a ver aquela ideia – perda que não é perda mas pouco mais do que mutação das coisas, de nós mesmos de certa maneira.

Quando caímos, levantamo-nos mas a frustração que nos fica a reverberar na memória tolhe-nos os passos seguintes – voltarei a cair mais à frente? Quando? Agora? E uma conclusão definitiva antes de cair – não, não vou voltar a cair. A queda é uma possibilidade desagradável mas previsível, seria fácil pensarmos nisto em termos éticos: não se pense em cair – e estaria tudo resolvido. No entanto, não é por se deixar de pensar no pouco provável que ele deixa de existir. A vida é ela própria pouco provável, não devemos desprezar estes eventos desagradáveis apenas por serem pouco frequentes ou por serem imprevisíveis. É aqui que se pode desenvolver, não uma ética condicionante, mas antes, uma nova arte – a arte de ultrapassar a transformação desagradável.

Não se pense em situações concretas, não se sofra com esta reflexão! Procurar compreender como este tipo de situações se dão é o primeiro passo para se ganhar o entendimento necessário para as ultrapassar. Mas devemos deixar claro, a cada passo deste entendimento, não se confundam os efeitos com as causas, o sofrimento não é a origem do desagrado nem o objecto, a origem não são ideias nem pessoas, apenas acções num passado que não pode ser transformado mas que fez transformar alguma coisa que nos afecta directa ou indirectamente.