2011/12/25

dói-me a paciência

Dói-me a paciência de tanto aturar tudo isto. Mas continuo cá – eu nunca consegui morrer! Por mais incrível que isto me surge, os meus piores momentos facilitam-me os meus melhores estados de consciência, a gargalhada da desgraça… Não sou tão maluco quanto desejaria ser mas não me importo, eu posso suportar isso mas a minha calma fica-se por aí. Sem abusos, porque não há paciência para aturar tantas opiniões e julgamentos! Eu não sei quem sou mas porque haveria alguém dizer-me então quem eu devo ser? O que é que eu mudaria se eu fosse como ouço dizer que deveria ser? Quem sou eu e porque me olho tanto? Porque raio passo tanto tempo a opinar sobre mim mesmo e a julgar cada passo que dou?

2011/11/27

um conto-paradoxo

Se não pensares, não entendes a ideia;
Se pensares podes sentir o conteúdo da ideia;
Se pensares mais um bocadinho deixas de compreender a ideia!

Eu peguei num pedaço de nada, entornei na mesa todo o seu vazio e olhei demoradamente sem pensar em coisa alguma. Escolhi então as mais pequenas partes daquele vazio, separei-as de tudo o resto que estava sobre a mesa e procurei, entre elas, a mais vistosa partícula de coisa nenhuma. Ali estava eu, a olhar a mais maravilhosa de todas as coisas que não existem, quando dei por mim a notar – não tem significado, não tem forma, não tem nada. Mas se aquela pequena parte de nada, que me fascinava tanto, não tinha nada em si, então, não poderia ser nada, ou sendo:
NADA ESTÁ VAZIO;
NADA PERMANECE VAZIO;
NADA É VAZIO.

2011/08/19

não seria um erro aceitar a ideia de funcionamento universal?

Questiono-me até que ponto podemos agir por vontade. Não digo que não exista essa possibilidade mas a crença que temos nas regras que supomos existirem no ambiente não nos permite isso. Então porquê limitarmo-nos a crenças e a limites regulados? Diriam os mais atentos que não podemos ser egoístas ao ponto de desprezar os mais fracos, devemos proteger a todos porque é útil a todos que haja variedade mas para haver variedade é necessário criarem-se limites a todos. Os que abandonam todos os limites e agem por vontade estão à margem, juntos com aqueles que não agem – esta é a crença. A visão que a crença sugere é falsa – o que age, está livre dos limites mas aquele que se restringe à norma não o vê além do que a lei lhe permite. O homem livre está dentro dos limites universais assim como está fora deles. É daqui que o podemos observar, de qualquer lado, livre ou não, é a nossa crença que define a nossa visão. E se a crença é um paradoxo, também a visão o será, como sendo norma, um limite.

2011/08/17

todos somos feios!

Hoje ouvi dizer que todos somos feios. Não consigo descrever a alegria da multidão. Em mim, nunca tão pouco peso, senti pela primeira vez o alívio de não ter de ser lindo nem ter de me ver nunca perfeito. Senti paz. Se todos somos feios, sem que isso seja uma obrigação mas antes um facto, todos somos livres de nos expormos; se todos nos expomos, então todos somos verdadeiramente iguais, sendo diferentes, nunca julgando porque a norma é então que todos são feios e mesmo que este ou aquele aspecto deste ou daquele seja bonito, todos são feios e a verdade é que alguém sempre vai achar alguma coisa bonita em cada um de nós. Todos somos diferentes, isto é facto assente, não é possível descrever um único tipo de beleza enquanto padrão universal, como diz o ditado – “a cada cabeça, a sua sentença” – mesmo que isso pareça significar o abandono dos cuidados físicos, não o é no entanto, antes pelo contrário a pessoa livre precisa de encontrar o seu equilíbrio e esse equilíbrio é o seu bem-estar. Um corpo satisfeito é um corpo feliz, um corpo feliz é um corpo saudável, um corpo saudável é um corpo equilibrado. O corpo quando encontra o seu equilíbrio não pode ser mais belo, realiza-se mas degrada-se, é na procura desse momento que a pessoa livre vai centrar as suas forças porque é equilibrando o corpo que se atinge o equilíbrio da alma. Todos somos feios, não existe equilíbrio em nós, é apenas uma busca. Todos somos feios, a procura do nosso bem-estar obriga-nos a sermos feios, não existe perfeição. Todos somos feios, se todos encontram alguém que lhe sabe achar beleza, então a beleza não existe ou é apenas uma ilusão individual que esconde outras verdades. Todos somos feios, mas, não existindo beleza, não seria possível que a multidão achasse naquelas palavras pouco mais do que uma graçola bem construída?

2011/06/08

o que tentamos...

Também a perda está na tentativa. Aliás, a tentativa não pressupõe concretização apenas uma possibilidade. Mas é apenas uma aposta, em última análise, inconsequente. Uma tentativa é um gesto vão e infundado, a verdade é simples e prática – se não soubermos como o fazer dificilmente fazemos o que queremos. Isto não significa que a tentativa não seja um acto positivo, não. Ela mostra-nos o funcionamento da realidade, o curioso é que, na maioria das vezes, esse conhecimento experimental que adquirimos não tem aplicação na situação em que surge. Vai, vive o mundo, tenta mas não te esqueças de voltar. Isto porque a tentativa constrói os alicerces do saber da experiência mas não nos garante resultados. Ou talvez devêssemos dizer: vai, tenta, o mundo é uma tentativa – nada é permanente, nada é definitivo, nada é certo e, no entanto, há sempre alguma coisa permanente, alguma ideia definitiva, aquela certeza… Eis que a realidade não nos diz nada quando não a pensamos e são várias as certezas definitivas que permanecem em nós e não as pensamos e não as questionamos e não pensamos que somos essas certezas, simples tentativas inconsequentes.

2011/05/29

reflexões sobre a mudança

Pergunto-me se podemos melhorar, se a cada dia que passa, há mais ou menos valor em nós mesmos, se mudamos, se ganhamos ou perdemos. Como quente e frio não são mais do que temperatura, não seria também a vantagem e a desvantagem uma questão de perspectiva? E se fosse assim, onde nos poderíamos posicionar para ter maior sucesso? Abdicar das vantagens ou dos prejuízos? Escolher o equilíbrio entre as duas partes ou, simplesmente, desprezá-las? Mas sempre estaríamos condicionados pela nossa perspectiva, então poderíamos melhorar? Poderíamos ao menos ter consciência disso? Talvez consciência e inconsciência também sigam o mesmo caminho. Quente, frio, alto, baixo, preto, branco… Os pólos dos objectos não são a coisa em si, a percepção é sempre parcial. Então, teríamos consciência da melhoria e do prejuízo e, simultaneamente, não. Permanecemos num equilíbrio, crescemos mas não alteramos as nossas proporções, aprendemos mas esquecemos, provamos mas duvidamos. A questão é que não melhoramos nem pioramos mas mais facilmente compreenderíamos a situação se considerarmos apenas que nos transformamos. Mas essas transformações não podem ser qualificadas ou quantificadas, pelo que foi dito anteriormente. Não as percebemos quando acontecem, apenas podemos olhar para trás e ver quantas pessoas diferentes já fomos, o que soubemos, o que fizemos, como agimos… Valores são momentâneos, imprecisos, a única coisa que podemos compreender é que nos transformamos a cada dia que passa, a cada ideia que temos, a cada experiência. E quando mudamos, a nossa perspectiva muda, o que nos faz mudar novamente, a cada momento, constantemente. Mas se o valor é flutuante e volátil, então, tudo é mau da mesma maneira que é bom, não é necessária escolha, quero dizer, nada é completamente dispensável.

Então qual seria a melhor atitude para atingirmos maior sucesso? Sucesso e insucesso não são mais do que duas formas do mesmo – resultados. Todos os resultados têm origem em acções, a melhor posição seria simplesmente agir, agir segundo um objectivo. O que pode acontecer é que o valor que damos a um objectivo pode transformar-se quando chega o resultado. Por exemplo, talvez não seja muito vantajoso obrigar os outros a agradarem-nos quando o objectivo é que nos agradem. A árvore dá sementes iguais às semeadas. Não é um problema de escolher a melhor ou a pior opção mas apenas de escolher o caminho mais certo. Um problema vulgar é agir como se o resultado fosse propriedade e o objectivo fosse aumentar essa riqueza. Agir, com um propósito, implica cedências e iniciativa na maioria das vezes. É uma questão de adaptação ao objectivo, não nos podemos propor a fazer aquilo que não podemos mas antes, se o queremos, devemos prepararmo-nos para o conseguir fazer. É aqui que surgem as cedências e as iniciativas, talvez seja preciso sacrificar a ideia de vantagem para atingirmos a posição ideal para o nosso propósito, talvez seja necessária iniciativa para, quando estivermos prontos para receber o resultado, nos propormos a ele.

2011/05/28

a semente dentro da maçã

Hoje trovejou, ouvi um sussurro de medo, no meio do som estridente dos trovões. Faíscas, atrás de faíscas e o sussurro constante a embalar-me naquela melodia agressiva e imprevisível. “Está a trovejar e eu estou sozinha”, ouvi alguém dizer. “Vizinhança estranha a minha”, pensei. Apesar do sussurro ter ganho a força de palavras, sentia-me adormecer. Mas não sonhava, pouco pensava e outro e outro trovão faiscavam com a mesma força estrondosa rompendo a penumbra do fim de dia chuvoso. Adormeci, por fim, envolto em pensamentos dispersos sobre o suave sussurro de medo que me rodeava.
De repente, descobri-me noutro sítio. Entre pinheiros e arbustos, havia uma roda de gente. Pareciam atordoados pela floresta, sempre calados, distraídos com olhares dispersos sobre as árvores, constantemente impacientes. Entreolhavam-se, baixavam o olhar em tristeza moribunda e a cada vez que os via, pareciam mais e mais entranhados num sofrimento estranho. Aproximava-me deles, lentamente. Não sabia ao certo porque estava ali, naquela floresta, não sabia quem eram aqueles nem qual era a sua desgraça. A cada passo que dava, tudo parecia mais forte, mais intenso e desesperante. Tropecei, a queda abalou toda a floresta, todos se comprazeram pelo barulho, as caras endureceram mas agora com sorrisos extremos, os olhares frenéticos daquele círculo eram agora de intimidade e alegria. O ruído da minha queda alegrou-os mas foi por pouco tempo, assim que me levantei voltaram os olhares macabros, já ninguém pulava nem sorria, como se nunca tivessem sido felizes. Ao continuar a caminhada em direcção a essa gente, descobri que não me era possível seguir sem ter de cair. Arbustos, ervas altas, covas, raízes e galhos faziam-me cair vez após vez. E, a cada vez, todos sorriam uns para os outros todos se compraziam daquele som estridente da minha queda. Mas nunca me olhavam, pareciam adorar o som da minha queda mas nunca me olhavam.
Quando consegui chegar até ao círculo, pude ver melhor aquelas caras. Estavam agora, quase secas, escuras, com uma expressão arrepiante de tristeza. Quando lhes perguntei que sítio era aquele e o que estava a acontecer, o sol parecia ter desaparecido, pude ver na cara deles o medo agonizante que a minha voz lhe provocou. Não pude dizer mais, esperei em silêncio por uma resposta em mim, algo que me pudesse fazer perceber o que tudo aquilo era. Ouvi alguém cair com o mesmo som aterrador que as minhas quedas tinham provocado antes mas desta vez, era medo o que eu podia ver, apenas medo e mais medo, uma aflição inconcebível de tão perturbadora. Estrondo após estrondo, finalmente chegou outra personagem, todos pareciam ter regressado ao estado em que eu os via antes de chegar ao círculo. Vagaroso, e sem levantar o olhar, um velho apoiado numa bengala caminhava em direcção a mim, trazia numa das mãos uma garrafa suja de pó que esvaziou na minha frente. “Água, é como água”, disse sem levantar o olhar. Enchi-me de medo então, era tão óbvio e o óbvio atormentava-me ali. Não compreendia nada, procurei então, à minha volta, no céu, nas árvores, no velho, na cara de cada um e não pude encontrar explicação, baixei o olhar entristecido e desesperado.
“Não procures o inegável, não procures, não procures, não procures… Foge, mas não te escondas, não – não ataques o medo, não o olhes, não olhes, não olhes, não olhes… O que veio, chegou, o que chegou está aqui e tem medo, porquê temer então a quem se quer esconder? Não vale a pena, não vale, não vale, não vale…”, disse o velho enquanto eu já nem me segurava de pé e caia num trovão sem faísca. Todos pareciam agora acordar de um pesadelo, as suas caras sem expressão alguma que não fosse confusão, entreolhavam-se até todas se voltarem para mim, caído em agonia. “Acorda, agora. Aqui não podes ignorar o óbvio, não podes, não podes, não podes… Em nenhum outro lugar acontece isso mas é aqui que todos sonhamos mas sofremos com as nossas próprias almas. Vai! Ninguém pertence a este sítio, ninguém, ninguém, ninguém…”.
Era noite e acordei, a janela aberta deixava entrar o vento frio. A chuva tinha cessado e não se ouviram mais trovões naquela madrugada.

2011/05/23

não fujas antes de ver isto

E se nos acusassem de nos escondermos do mundo? Se nos acusassem, do que sabemos ser verdade, de fugirmos constantemente a cada melhoria no estatuto social, de fugirmos de um aumento no salário, de fugirmos de uma vida menos triste, de fugirmos dos nossos sonhos, de fugirmos dos nossos talentos, de fugirmos de nós mesmos?

E? Nada. O que se pode fazer? O que se pode sentir? O que se pode? O que nos limita somos nós, é a nossa visão. Se nos sabemos fugir, então fugiríamos da acusação também. Fugiríamos porque nos vemos como presas de nós mesmos, rejeitamos objectivos maiores porque o que somos ultrapassou o nosso objectivo. Este é o problema, nalgum momento, antes de começarmos a fuga, vimo-nos como objectivo. Mas crescemos, o objectivo de viver o presente não pode ser visto mas nós vimo-lo e soubemos que era o nosso objectivo. Mas, com o tempo, damos pelas mudanças em nós mesmos, sabemos então que o velho propósito foi ultrapassado. Daí em diante, tudo é a mais, tudo é de mais e por demais diferente da nossa visão da realidade. Tudo muda, dizem, mas as convicções ficam e ficam e ficam – “por isso fugimos”, dizemos fugindo da acusação…

Mas o acusado defende-se apenas, procura não o problema mas a causa da situação. O problema não é questão, está ali. Mas aquele valor, ser EU e não a maralha, ser diferente e não vulgar, é cedo que aprendemos a fugir de nós mesmos. Mais um piercing, uma tatuagem, uma promessa de eterno cuidado… Nada. Vende-te à maralha, esconde-te como louco dentro de ti, para que todos te vejam! Mas nada é solução. Não existe problema nenhum aqui para haver uma resposta. É só uma acusação vazia, não é uma acusação na verdade, não é nada, sempre fugimos. Mas agora, todos nos vêm, somos vulgares, o piercing infeccionou, a tatuagem desbotou e a promessa… bem, e a promessa! Tudo o que nos diferenciou foi a tentativa mais perversa de ser intensamente igual a tudo o resto e à acusação. Nada. Nada causa isto, senão nós mesmos. Não definas, não penses a tua visão, limita-te aí e vê simplesmente. Não “simplesmente” como quem quer ser visto “pelo que é” mas apenas, “vê”. “Simplesmente nós”, somos complexos demais, mas não deixamos de ser iguais a todos os outros, nesse aspecto. Somos todos iguais, todos fugimos.

2011/05/22

último rascunho

Este texto nasceu para ser um rascunho mesmo, faz parte de um texto maior que está (permanentemente) suspenso até que eu, talvez um dia, mude de ideias e o acabe. Bem esse texto deveria ser a procura por um estilo de escrita agradável, comercial até, que serviria para ligar um tópico mais forte de análise cultural. Mas que se lixe o paleio! Eis a coisa:

"Podemos ter tudo quanto sonhamos. Ou sonhar que temos tudo… Na realidade, tudo o que queremos, já temos. Nem sabemos como conseguimos a maioria das coisas. Mas conseguimo-las. E o resto? O que acontece com o resto?
Passadeiras… Semáforos e pessoas. Todos esperam pelo sinal automático e espectacular do boneco verde do outro lado. É um momento quase único, todos são livres então. São os pigmeus verdes e luminosos que trazem a verdade do momento. São eles que dão a liberdade de se poder fazer o que se anseia. E eu ali, a querer atravessar. Nós ali, à espera do momento certo para correr. Mas parados, sem poder controlar o tempo, sem poder fazer nada mais do que carregar o botão do “anda lá”, o comando “despacha lá isso de uma vez” que todos fazem questão de activar. E nada mais. Um momento de espera e ansiedade à espera de um homenzinho verde que parece ter ficado retido no trânsito ou isso seja só uma desculpa por ter adormecido por já não ter mais paciência para se cruzar com um chefe vermelho de raiva. Chega mais gente, o passeio começa a transbordar pessoas para a estrada. E o homem verde não chega. Buzinas em vez de travões protegem mais um aventureiro que se antecipa. E todos vêm, já ninguém se aventura até ao vadio esverdeado chegar.
Mais gente, os dois lados apinham-se em ansiedade e impaciência. Paciência! Deixem os carros passar. As buzinas intimidaram as pessoas, ninguém passa. Para quê chamar-lhe passadeira então? Agora não o é, na verdade. E eu ali, na “esperadeira” a passar o tempo que não quer passar. Todos começam a estremecer, há uma novidade. Os carros estão a parar, sinais do tempo, não haja dúvida. Já passou bastante desde que a espera começou. O profeta anuncia a boa-nova, por fim, “foda-se, ‘tava a ver que não!” e o homem de verde surge e a multidão avança, destemida, para a estrada. Haveria alguma revolução hoje? Porquê tanta gente aqui? Deixemos isso a quem quiser saber, agora o que interessa é atravessar a estrada, livremente, a par de todos.
A caminhada apressada complica-se a meio, há sempre o outro lado na passadeira. Mas segue-se o caminho da liberdade. Um “com licença”, dois ou três “desculpe lá”, uns encontrões e está feito. Um emaranhado de gente livre a querer atravessar já sem saber ao certo para onde ir, o importante é atravessar. Mais encontrões, uns “desculpe”, dois “com licença” e estamos do outro lado. Agora pergunto-me o que faço eu aqui no meio de tanta gente. Há que seguir, o profeta e o sagrado luminoso verde ordenam-me que avance. E, de repente, dou por mim do outro lado. Parado, de costas para o tão esperado homem verde que me abandona cintilante."

2011/05/21

erro certo

No geral, qualquer certeza que se tenha pode tanto ser verdadeira quanto falsa. Deve-se, antes de mais, realçar isto: certeza não é o mesmo que verdade; sendo ambos conceitos subjectivos. Tem-se, então, que certeza é uma dúvida moribunda, é uma ideia doente, desequilibrada. Enquanto a dúvida contrapõe duas posições antagónicas e se vai servindo, consoante a situação, da posição que seja mais conveniente no momento, a certeza serve-se de uma única ideia que deve servir todos os casos como se se tratasse de uma verdade universal.

Não existe nenhuma verdade que não parta ou de uma estrutura tautológica pré-concebida (como a matemática, a lógica, etc.) ou de uma, ou mais, incertezas. Isto resulta de uma questão bastante simples: 1º) não temos acesso à realidade directamente, apenas a imagens; 2º) as referências linguísticas são extremamente imprecisas e subjectivas; 3º) consequentemente, todas as conclusões que se possam obter com esta base incerta e subjectiva serão conclusões incertas e subjectivas.

Mas não é por não concebermos inquestionavelmente a realidade que deixamos de aceder a verdades. A questão então é: se a verdade é incerta e a certeza incompleta, como podemos aceder à verdade? Ora, como já disse, a verdade não está ao alcance de uma qualquer certeza. É preciso não saber ao certo o que a verdade é e duvidar sempre que surja algo que se lhe aparente. Não basta duvidar uma vez, questionar e encontrar uma resposta, não. É preciso reflectir sobre a incerteza e nunca dela tirar uma verdade definitiva ou uma certeza.

A mente julga sem certezas mas se lhas dermos, as certezas julgam a mente (efeito dos "operadores", ver "hipótese das ideias"). Qualquer certeza que seja aceite vai afectar, transformar, confundir a maneira de pensar de quem a aceitar. Dizem, e bem: "o maior inimigo da verdade, são as convicções". Disse-o na "hipótese das ideias" e volto a afirma-lo – ideias desequilibradas tornam-se "operadores" e estes definem a estrutura de todas as ideias com que interagem. Assim, se aceito a certeza "tudo foi feito por deus" tenho de ter em consideração que escrevo por vontade divina, etc. Se aceito a certeza "eu sou pobre" em pouco tempo estarei a mendigar ou a matar-me a trabalhar, por outro lado e com o mesmo resultado está a certeza "eu sou rico" que me leva a gastar mais do que deveria, etc. Compreenda-se: incerteza não é a sustentação de duas certezas opostas, não; é a escolha equilibrada entre duas posições possíveis. Assim, não sabendo ao certo se sou rico ou pobre vou reflectir sobre cada decisão, escolher qual é a verdade mais conveniente a cada momento.

Considerando um pensamento nestes termos tem-se uma liberdade de acção, controlo e pensamento excelentes, por outro lado, deixamos de poder conceber o mundo que nos rodeia da forma habitual. Deixam-se todas as certezas, os saberes expandem-se muito mais e, por fim, nem o que somos podemos definir com certeza, agimos mas não conhecemos ao certo onde cada acção nos vai levar.

A incerteza é, portanto, uma ferramenta indispensável na resolução de problemas valorativos, etc., como é o caso das certezas. A certeza castra o pensamento, enquanto a incerteza fá-lo crescer. Duvidar é questionar uma certeza ou uma incerteza, em ambos os casos permite desequilibrar os pratos do juízo, consequentemente não apenas se deve questionar a certeza mas também a própria antítese. A dúvida é um bem muito importante, deve ser mantida próxima de todas as certezas. A incerteza, por seu turno, é uma verdade incompleta e devem-se juntar quantas incertezas existirem sobre cada assunto. Isto para que hajam várias opções de verdade disponíveis em juízo. De outra maneira, aceitando certezas, o erro é certo e, quando acontecer, incompreensível.

quem somos, de onde vimos e para onde vamos

Além da noção do nosso passado e da aprendizagem que isso implica; além da noção das nossas capacidades e conhecimentos dos nossos padrões de acção; e, por fim, além dos nossos medos e desejos, está a habilidade de gerir as nossas próprias vidas. Muitos radicalizam as opções de que dispõem para este propósito – ou “aproveitamos a vida ao máximo, a cada momento” ou “somos humildes e aguentamos as adversidades!” – a virtude não está no meio, neste caso.

É certo que a resistência a provações ajuda a aguentar outras que lhe sucedam, assim como se pode tornar explosão de ódio, e não devemos desprezar este facto. À semelhança desta contenção, a realização tem as suas vantagens e desvantagens, senão vejamos: é através da saciação de alguns impulsos que se pode controlar tensões derivadas de pequenas frustrações ou desenvolver alguns aspectos úteis da personalidade, não obstante, estes motivos são causa directa de vários desequilíbrios na vida. Mas a questão não é tão simples quanto não radicalizar optando por um meio-termo – é assim que as coisas funcionam, não lhes podemos escapar. De notar que um excesso em qualquer um destes extremos despoleta uma reacção de natureza contrária, o que pode ferir a sensibilidade de quem observe este efeito, tornando-se a contenção em impetuosidade e vice-versa.

Este equilíbrio pode ser conseguido, não facilmente mas sem grande dificuldade com o desenvolvimento de algumas habilidades aqui envolvidas – resistência à frustração e realização pessoal. Ambas as habilidades são antagónicas e, aparentemente, paradoxais. Então como resolver o problema? Então se eu pretender comprar tabaco mas não tiver dinheiro? E se eu tiver dinheiro no bolso e estiver relutante em me embriagar com os amigos?

Compreenda-se o que digo, tanto a frustração quanto a realização criam tensões, antagónicas entre si mas compensatórias. Por exemplo, se me falta dinheiro para o tabaco mas, na mesma situação em que isso acontece, um amigo me paga um copo, as tensões equilibram-se e, dependendo da situação, pode ocorrer que passe de um estado ao seu contrário por compensação. Ocorre outro fenómeno relevante – a habituação. Tanto quanto à frustração quanto à realização, acontece que a cada resistência ou realização tonificamos esse estado. Algo como o halterofilista que, de quando em quando, sente a necessidade de aumentar o peso que levanta. Ficamos cada vez mais capazes de resistir e realizar.

A habilidade de gerir é saber tonificar ambos os aspectos. Note-se que frustrações de uma natureza podem ser compensadas por realizações de outra natureza. Não pretendo incitar a bebedeiras para esquecer mas é certo que, não esquecendo, resultam. O que pretendo é simples, a contenção e a realização não devem ser tomadas em aspectos gerais mas antes por pequenos objectivos onde o caminho e o resultado se compensem naturalmente. Fazer um esforço, um investimento, para poder realizar; ou investir numa acção que traga vantagens e permita contenção posteriormente sem que haja frustração.

Por fim, estas compensações por objectivos devem crescer em intensidade porque quando se levanta o peso muitas vezes ele torna-se mais leve, no entanto, e mantendo a metáfora, devemos apenas levantar o peso que podermos e nunca ir directamente ao alter mais pesado.