2012/09/29

mundo porco (porque não me dei ao trabalho de pensar um nome melhor)

Começa a parecer-e que este mundo é demasiado… demasiado… como dizer? Porco! Este mundo é demasiado porco para mim ou começa a parece-lo ou não me dei ainda ao trabalho de pensar a sério como dizê-lo.
Carne, não nos assumimos como mais do que carne. Não, não é isso, eu sou importante para mim, do meu ponto de vista, cuido-me como mais do que carne, aliás, a minha carne, o meu aspecto pessoal físico, não é o mais importante para mim. A minha realidade interior, a minha alma se preferirem, é mais importante do que o meu corpo, por isso permito-me sacrifica-lo de quando em quando, em negociatas de serviços físicos por pagamentos imateriais, dinheiro, amizade e compromisso – dívidas…
Mas não são as dívidas que valorizamos, são-nos úteis, nada mais. O que devemos aos outros e ao mundo, a nós mesmos, nada disso nos importa. Ou talvez seja essa origem do nosso mundo interior, a dívida, o valor ganho ou perdido em serviços físicos que não soubemos ver como pagamento… Karma? Não me parece… O mundo é demasiado porco, demasiado imundo, pesado e alegre, falsamente alegre, talvez até falsamente porco! O que exigimos dos outros senão que nos quitem as nossas dívidas, a nossa realidade interior?
O que exigimos de nós mesmos? O que exijo a mim mesmo? Perfeição mas permito-me o logro e o fracasso e a dissidência. Ética mas permito-me a originalidade moral, digo, a amoralidade… Não há norma universal que seja aceite, não há valores garantidos, em ninguém os há. Mas não é por isso que o mundo se torna mais sujo, porco, verdadeiramente porco. O que procuramos nos outros se não o pagamento das nossas falhas? Quero dizer, começa a parecer-me que não procuramos nos outros mais do que a possibilidade de pagamento… Sem que haja realmente dívida, sem que haja realmente motivo, deixamo-nos pagar como compromisso, amizade, dinheiro… e não houve serviço! Nem gratidão nem arrependimento, um e outro gesto porco…
Há algo mais, outro motivo maior do que eu mesmo, uma realidade mais englobante, talvez uma força suprema, talvez a força da realidade universal ou qualquer outra mentira mais simples. Não, não me parece que haja outra coisa que não seja um mundo porco, um logro fantasioso onde o enganado é o mesmo que o burlão. Mentimo-nos para nos agradarmos, porque nos devemos, porque devemos a alguém, porque, simplesmente, temos medo de dever… devemo-nos a nossa própria possibilidade de dívida e tentamos fugir disso! E quando devo? E quando devemos realmente, quando o gesto se mostra prejuízo? E quando nos devem a nós? Como cobramos essa diferença? A quem cobramos as nossas falhas? A todos e a ninguém, porque apenas nos importamos connosco e ninguém parece compreender as nossas cobranças. E as dívidas vão-se acumulando…
Seria eu o meu próprio prejuízo? O meu próprio lucro? Seria eu a minha dívida? É um mundo porco, não queremos dever. Então surge a dívida maior, a indiferença bruta, o gesto sem valor, o gesto que não quer pagar nem ser pago, sem resposta nem responsabilidade. Eu vejo apatia, nos gestos porcos dos outros, como seriam os meus se os pudesse observar também? Porque não posso observar a minha dívida? Onde estão os meus gestos? Porque não os sinto, se são eles comigo? Se não o posso compreender…
Continuo a dever-me, a dever-me porque quis pensar a questão. Por vezes, o pensamento mais profundo está de onde vem, o que vemos na realidade, o que vemos sem dar parecer porque o parecer é óbvio mas, mesmo parecendo-nos mal ou bem, deixamos passar como que despercebido, como se não soubéssemos já o valor daquele gesto, daquela posição, disposição ou indiferença. É um mundo porco, e deixamo-nos ser carne para os outros, porque nos parecemos mais, muito mais. E somos, sim, somos mais! E valorizamo-nos por isso, mas somos carne uns para os outros, deixamo-nos ser vistos como carne em movimentos de motivos que cada cabeça, cada sentença, decida. Não nos importamos com os nossos gestos senão no momento da cobrança, da nossa cobrança – eu sou o importante para mim, o resto são dívidas que, sejamos honestos, não me dizem respeito.
E todos me cobram, todos me devem, todos nos tornamos indiferentes mais dia, menos dia, menos dia que seja porque o prejuízo pode não ser pago. Mas como dinheiro, amizade e compromisso, talvez o prejuízo seja o valor do gesto. A dívida impagável de uma nota de cinco euros, de uma amizade de infância de um compromisso inquebrável… Mas a nota troca-se por moedas, espécies ou gestos, deixa-se trair a amizade e quebra-se o compromisso a qualquer momento, seria isso valor? Seria essa a dívida que esperamos que nos paguem? Mundo porco, este mundo começa a parecer-me demasiado porco.

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