2011/05/21

erro certo

No geral, qualquer certeza que se tenha pode tanto ser verdadeira quanto falsa. Deve-se, antes de mais, realçar isto: certeza não é o mesmo que verdade; sendo ambos conceitos subjectivos. Tem-se, então, que certeza é uma dúvida moribunda, é uma ideia doente, desequilibrada. Enquanto a dúvida contrapõe duas posições antagónicas e se vai servindo, consoante a situação, da posição que seja mais conveniente no momento, a certeza serve-se de uma única ideia que deve servir todos os casos como se se tratasse de uma verdade universal.

Não existe nenhuma verdade que não parta ou de uma estrutura tautológica pré-concebida (como a matemática, a lógica, etc.) ou de uma, ou mais, incertezas. Isto resulta de uma questão bastante simples: 1º) não temos acesso à realidade directamente, apenas a imagens; 2º) as referências linguísticas são extremamente imprecisas e subjectivas; 3º) consequentemente, todas as conclusões que se possam obter com esta base incerta e subjectiva serão conclusões incertas e subjectivas.

Mas não é por não concebermos inquestionavelmente a realidade que deixamos de aceder a verdades. A questão então é: se a verdade é incerta e a certeza incompleta, como podemos aceder à verdade? Ora, como já disse, a verdade não está ao alcance de uma qualquer certeza. É preciso não saber ao certo o que a verdade é e duvidar sempre que surja algo que se lhe aparente. Não basta duvidar uma vez, questionar e encontrar uma resposta, não. É preciso reflectir sobre a incerteza e nunca dela tirar uma verdade definitiva ou uma certeza.

A mente julga sem certezas mas se lhas dermos, as certezas julgam a mente (efeito dos "operadores", ver "hipótese das ideias"). Qualquer certeza que seja aceite vai afectar, transformar, confundir a maneira de pensar de quem a aceitar. Dizem, e bem: "o maior inimigo da verdade, são as convicções". Disse-o na "hipótese das ideias" e volto a afirma-lo – ideias desequilibradas tornam-se "operadores" e estes definem a estrutura de todas as ideias com que interagem. Assim, se aceito a certeza "tudo foi feito por deus" tenho de ter em consideração que escrevo por vontade divina, etc. Se aceito a certeza "eu sou pobre" em pouco tempo estarei a mendigar ou a matar-me a trabalhar, por outro lado e com o mesmo resultado está a certeza "eu sou rico" que me leva a gastar mais do que deveria, etc. Compreenda-se: incerteza não é a sustentação de duas certezas opostas, não; é a escolha equilibrada entre duas posições possíveis. Assim, não sabendo ao certo se sou rico ou pobre vou reflectir sobre cada decisão, escolher qual é a verdade mais conveniente a cada momento.

Considerando um pensamento nestes termos tem-se uma liberdade de acção, controlo e pensamento excelentes, por outro lado, deixamos de poder conceber o mundo que nos rodeia da forma habitual. Deixam-se todas as certezas, os saberes expandem-se muito mais e, por fim, nem o que somos podemos definir com certeza, agimos mas não conhecemos ao certo onde cada acção nos vai levar.

A incerteza é, portanto, uma ferramenta indispensável na resolução de problemas valorativos, etc., como é o caso das certezas. A certeza castra o pensamento, enquanto a incerteza fá-lo crescer. Duvidar é questionar uma certeza ou uma incerteza, em ambos os casos permite desequilibrar os pratos do juízo, consequentemente não apenas se deve questionar a certeza mas também a própria antítese. A dúvida é um bem muito importante, deve ser mantida próxima de todas as certezas. A incerteza, por seu turno, é uma verdade incompleta e devem-se juntar quantas incertezas existirem sobre cada assunto. Isto para que hajam várias opções de verdade disponíveis em juízo. De outra maneira, aceitando certezas, o erro é certo e, quando acontecer, incompreensível.

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