2011/05/21

era uma vez um joguinho perverso...

Este vem para o blog para não ficar a dormir na gaveta (estou a precisar de espaço!).
I - Carta ao Vazio
Houve, em tempos, uma pessoa próxima que me esboçou uma ideia que até hoje não compreendi no seu todo. Penso ser um bom tema para quem goste de pensar. Na folha que me deu (e que ainda tenho guardada), a ideia parece cintilar mas, como se não fosse possível assimila-la, parece fugir a cada linha. Esta é a transcrição do que está escrito na dita folha.
Uma vez, criei um jogo – interminável, perverso e quase louco. Joguei a primeira mão, à vista de todos para que quem visse participasse dele. Na realidade, a minha jogada era para perder. Sim, para perder. Mas como disse, o jogo era perverso, quase louco, e, acima de tudo, interminável. A estratégia era simples – perder e ver todos os outros cair na perversão sem saber que enlouqueciam a cada jogada.
Não se pode aceitar que nos neguem a realidade, tão visível, tão verosímil, tão… aqui à nossa frente! É essa a estratégia: mente como se construísses uma verdade. Não é uma questão de acreditar na mentira, é bem mais simples. Construir a verdade é mostrar que ela existe, mesmo que seja mentira. Com isto, abriram-se as portas da perversão – disse-o, enquanto mostrava a todos a sua perversão futura. Não podem imaginar o prazer que tive quando me atribuíram a mim essa perversão, eu perdi nesse momento. Não repararam que enlouqueciam, então.
Interminável, o jogo, continuou. Olhei em volta, as jogadas, cada movimento, cada passo era perversão. Julgando-me perverso, quiseram mostrar-me louco e ao tentarem terminar a minha jogada, realizaram-na. Eu não sou vítima nem actor, apenas tive uma única jogada, a melhor de todas – a primeira mão – eu criei o jogo. Agora, olho-os, sem saberem que aquilo a que jogam tão entusiasticamente é o pequeno jogo que eu criei para meu desfrute pessoal. Sabem, eu gosto de ver a perversão inconsciente a bailar. Acho que enlouqueci. Mas de perverso e de porco, todos temos um pouco! HA HA HA
Sirva-se então a vossa perversão, os vossos desejos mais íntimos, esqueça-se ética, moral, lei e todas as regras que existam. Tanto quanto pudermos imaginar, nem a gravidade nos pode prender. Imagine-se, o que julgamos ver em alguém pode ser uma mentira. Sim, imagine-se que cada acção desse Fulano seja um pequeno teatro. Oh, mas este teatro não tem cortina… Como haveriam de perceber? Então, julgaríamos, por todas as imagens e cenas que vemos que a realidade seria o que nos apresentou o encenador. Esta é a minha perversão, este foi o caminho que percorri para desenhar o rabisco mal feito que é o jogo. Ah, sim… O jogo não acaba, e mesmo sem jogar, sei prever cada passo de todos os jogadores. É uma sensação algo paradoxal, conhecer a jogada de cada um mas não ter mais nenhuma jogada. Sim, uma jogada apenas basta para chegar à perversão.
Mesmo que lhe explicasse que a realidade é flexível e que jogam um jogo louco sem que o saibam, mesmo assim, estariam presos a ele. Por vários motivos. Agrada-lhes a hipótese de saciar todos os desejos limitados pelas regras, agrada-lhes ter mais portas abertas na vida nem que isso signifique serem perversos, agrada-lhes. Outro motivo, mais simples, o jogo é interminável. A situação marca os jogadores – um ano e meio de teatro para o conseguir. Sim, tempo demais. Mas este jogo é eterno, eis a sua própria perversão. A própria realidade é alterada, isto porque todos os jogadores agem como se o teatro fosse real. E como se a realidade fosse flexível, todas as acções doravante, tocando no jogo, são reais. Então o teatro torna-se numa fantasia perversa, que não é verdade nem mentira porque existiu e está ali, na memória, como toda a experiência verdadeira. Sim, a verdade cria-se quando se cria a sua experiência, mesmo que seja mentira.
Quanto mais penso em mostrar a verdade por detrás do jogo, tanto mais o jogo se adensa para quem o joga. É incompreensível, de certa maneira, mas não passa de um jogo. É aqui que reside a sua última perversão, o jogador não pode dizer simplesmente que esteve a jogar, sim, isso seria um acto de loucura desnecessário. Ficam, desta maneira, todos os jogadores limitados pelo desejo de liberdade pervertida – ou são perversos ou são loucos. E o jogo não tem fim.

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